quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A solidão...

Apesar de oferecer ao homem inumeráveis oportunidades de amadurecer e tornar-se um sujeito autónomo, è frequentemente receptáculo de valências negativas. É uma condição desagradável, por vezes assustadora, que frequentemente se torna um inimigo de quem se deve fugir a qualquer custo. Tudo isto visto como o resultado de uma maneira de viver caótica agravada também pela herança bíblica, consequência das acções pecaminosas operadas pelo indivíduo: então Adão e Eva são expulsos do paraíso e são condenados a uma vida de sofrimento e de dor. A dor da perda, da separação. A solidão, portanto, existe antes do homem. O óvulo, no momento da fecundação, está só. Assumido o património genético do companheiro, as reacções físico-químicas do organismo separam o óvulo dos outros espermatozóides e isolam-no definitivamente da população celular materna. É um organismo estranho que conserva o eco da mãe e do pai. A própria fecundação é promotora de separação. A partir da décima quarta semana, o embrião, que se chamará feto, está perdido no oceano do ventre materno, está só. No futuro, o nascimento, o crescimento, o estado adulto reevocam a solidão originária. Socialmente, então, reconhecemos com clareza a solidão. Pensemos nos milhões de crianças abandonadas no mundo que vagueiam sozinhas, sem una meta precisa. Os nossos velhos, quantos não são abandonados na cidade anónima? Quantas famílias, cada vez mais estranhos uns aos outros, vivem isoladas no horror da televisão. Quantos rapazes estão sós, na prisão dourada do seu PC. Quantas pessoas, "robotizadas" pelo trabalho, pela espada de Dâmocles do despedimento, pela desocupação, não são constrangidas a uma solidão forçada? O abandono e, portanto, a solidão, não poupam ninguém. O próprio Deus, sendo uno, está só.
fonte: google

domingo, 20 de setembro de 2009

O amor?

Ouvimos falar tanto desse sentimento, aqueles que nunca sentiram, perguntam-se, o que se sente? Por quê? E pra que?
A resposta as vezes parece muito simples, afinal, como explicar algo que não tem explicação, é aquilo que sentimos quando batemos os olhos na pessoa, e se sente um frio na barriga, um tremor nas mãos, a sensação de que já não existe mais nada a volta, poderíamos concluir isso, como um encontro de almas. Ah esse encontro tão mágico, quando tudo aquilo que antes tu achavas quase que impossível acontecer contigo, acontece, tu começas a ouvir aquelas músicas que antes tiravas ´´sarro´´ nos amigos quando eles se encontravam apaixonados, quando tu começas a desenhar corações em qualquer folha disponível e dentro desses desenhos, o nome da pessoa amada, tu suspiras a cada lembrança, a cada respirar dela, tu começas a pensar em como conseguis-te viver até aquele momento sem ter tido a presença dela em tua vida, porque a certeza é plena: agora tu não conseguirias mais viver sem ela.
É amigo, o encontro das almas é algo mágico, surpreendente e sublime, não tentes querer achar respostas, apenas sente, e ama, ama e ama!

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Melancolia de Outono...

Entrou Setembro e, com ele, uma certa melancolia. É mais um final de Verão. Regressar às coisas sérias e aguardar pelo próximo ano e os próximos dias de calor.
É colocar de lado as músicas de “dar ao rabo”. Esperar de novo pelo tempo das cerejas. Saborear os últimos gelados. Arrumar no armário a roupa fresca e leve. Comprar alguma roupa nova.
Preparar o corpo e a alma para os dias curtos, com pouca luz. Brincar com as formas das nuvens que passam velozes no céu. Deixar entrar de novo a humidade e o frio nas casas. Aproveitar para passear no parque e apreciar a quentura dos tons outonais nas folhas caídas. Sentir o perfume das castanhas assadas. Voltar aos chás de menta e às fatias quentinhas, acabadinhas de sair do forno, do bolo do amor. Voltar a ouvir musica clássica, jazz, Rodrigo Leão, Michael Nyman, portishead e Gabriel Yared.
ADORO esta doce melancolia. Ficar a ver o pôr-do-sol todos os finais de tarde, da janela do meu quarto. Fechar depois os olhos e aquecer a alma com os meus próprios sonhos, todos eles ligados à quentura dos afectos, Adoro… Adoro o Outono.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O homem romântico...

O homem romântico é um herói titânico, combate a opressão das leis, representando os socialmente ostracizados. Convicto que domina a natureza, a vida é para ele um problema insolúvel, o instinto egocêntrico mostra no entanto que é arrastado por forças que não consegue controlar, por um cego destino. O que o leva a uma busca incessante pela perfeição e o infinito, com uma inquietação febril, como se de uma melancolia patológica se tratasse por algo que não consegue atingir mas que anseia com todas as suas forças, levando-o a evocar, como Baudelaire, o destino cruel da humanidade – a morte. Olhos fitos num mundo superior que a razão não sabe definir, o romântico começa a idealizar, a fazer de conta. O seu coração inquieto e generoso deixa-se embalar num certo espiritualismo e vai lançar-se no culto da Humanidade, da Pátria, da mulher. Refugia-se no sonho, no fantástico, oscilando entre o pessimismo confessado e os desejos de um contentamento e satisfação sempre longínquos. Obviamente o idealista que constrói castelos no ar ao baixar à realidade e ao confrontar-se com a realidade, ao não encontrar o seu mundo sente-se atraiçoado, desterrado, desenganado. O regresso ao mundo onde coexistem anjos e demónios, o & laquo; anjo maldito» o «fatal e estranho ser». Mas qual o caminho a que conduz o desengano? Só existe uma solução: FUGIR. O homem Romântico é um fugitivo errante. De terra em terra como Chateaubriand, Byron e Garret; Na idade Média, na paisagem do exótico oriente como Walter Scott, Herculano e Vítor Hugo; Outros fogem de fora para dentro, introvertendo-se, subjectivando tudo; alguns vão mais longe e suicidam-se, fugindo assim apressadamente para a eternidade, como Kleist, Nerval, Camilo, Antero de Quental, Florbela Espanca, Trindade Coelho. No Romantismo nota-se o predomínio da emoção, do sentimento sobre a razão e o espírito ordenador dos clássicos. O Culto do «EU» e dos direitos do coração sobrepõe-se às imposições orientadoras da inteligência (reacção contra o racionalismo clássico). Tendo presente a concepção do «eu» de Ficht, pode dizer-se que os românticos inspiraram-se nele e de imediato proclamaram uma arte que fosse expressão directa do homem perante a natureza. Esta no entanto teria que ser cumulativamente original e sincera ao ponto de provocar no artista a confissão dos seus estados de alma. À heróica época medieval junta-se a idealização do «locus horrendus», paisagem agreste exótica, de um nocturno sepulcral, luarenta, melancólica mas ao mesmo tempo sensual espelhando, muitas das vezes, o estado de espírito do romântico. Ao contrário dos clássicos o homem romântico sente a doce volúpia no sofrimento e prefere registar as situações de dor, de melancolia e ambientes de nebulosidade nórdica como o entardecer, o escurecer, a noite, as florestas sombrias, as cavernas, as ruínas, os agouros, os sonhos, a morte. A personagem romântica mergulhada nesta melancolia pessimista, procura evadir-se umas vezes para o além-morte através do suicídio, outras vezes para o convento, o sacerdócio, a solidão, a loucura. Existe no romantismo, relativamente aos aspectos formais, uma subversão completa de estilos, numa atitude de rebeldia, baseada numa independência crítica – o génio criador não mais está amarrado às “galés do classicismo”. Com excepção do soneto, criam-se novos agrupamentos estróficos, proíbem-se as imitações paradigmáticas dos escritores Greco-romanos e não se admitem as divisões dos géneros clássicos; numa nova estrutura e linguagem de romance – com um narrador ausente; com heróis tradicionalmente medievais; usando um vocabulário rico em alusões concretas, menos erudito, mais familiar que o clássico, baseado em historietas, à peripécia inesperada –; e finalmente com tendências bem definidas e antagónicas relativamente ao classicismo (Razão v Coração; O geral v O individual; O objectivo v O subjectivo, o pessoal; A vontade, o heroísmo v A melancolia, o abatimento; A inteligência v As sensações; O culto da antiguidade greco-latina v O culto da Idade Média e dos tempos modernos) A única norma a que o romântico se sujeita é o instinto, a paixão que o leva, num certo espiritualismo, a buscar a perfeição da mulher-anjo, encaminhando toda a potencialidade para o amor que simultaneamente, o prende e o destrói. A novidade está na mudança profunda da sensibilidade, a natureza intensa do sentimento expresso. Nessa medida há autores que defendem que o romantismo não é primordialmente um fenómeno estético, mas um modo de viver e que o artista romântico ou é o ser que se apresenta incompreendido ou, por outro lado, em nome da arte, acha-se com o direito de ditar leis. Os desvarios devem-se à má interpretação da natureza humana, compreendida à maneira de Rosseau «o homem é naturalmente bom, é a sociedade que o perverte» ou «o homem deve seguir um só e único guia: a sua consciência, instinto divino, voz imortal e celeste».
Os românticos tentando interpretar esta filosofia de vida caíram no exagero, na busca de um «homem universal», de carácter superior, mas acabaram por encontrar apenas aqueles que viviam à margem da sociedade dominados pelas mais violentas emoções, num desejo incontido de quebrar as correntes que os prendiam à sociedade.
Fonte: Google

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

" Um místico em estado selvagem"

O que Mallarmé não parece ter adivinhado é que o "Viajante notável" voltaria, que ia ficar, que não pararia de crescer, que sua influência se estenderia sobre todas as gerações e que aquele garoto seria no século novo não o mestre, e sim, melhor ainda, o mensageiro, o profeta de toda uma juventude febril, entusiasta, rebelde.
~ Georges Duhamel ~

É uma honra para o nosso país que uma obra fechada como a de Arthur Rimbaud domine com a mesma intensidade que a obra semifechada de um Charles Baudelaire ou a obra tão clara de um Victor Hugo. Como os pintores que se destacam não pelo modelo que escolhem mas pela maneira como o pintam, o milagre de Arthur Rimbaud depende menos de suas revoltas e do que dele disse Claudel, "Um místico em estado selvagem", que do facto de ele ter feito a ideia nascer do verbo, enquanto antes dele o verbo se colocava a serviço da ideia.
Apollinaire falava sempre do poema-acontecimento, do verso-acontecimento. Acontece, por exemplo, que um poema um pouco convencional de Baudelaire pode se erguer do chão e levitar pela força de um único alexandrino.
Em Guillaume Apollinaire, uma gota de tinta que treme na extremidade de sua pena cai marchetando uma página que, sem essa mancha requintada, estaria ameaçada pela monotonia.
É isto que torna os poetas intraduzíveis. Não compreendemos nada de Puchkin, a não ser a certeza secreta de um ritmo de feitiçaria que ele tirava de uma gota de sangue negro.
Mas o rimbaldismo é universal. Sua fosforescência atravessa a barreira das línguas.
Poderíamos temer que as tempestades do casal Verlaine/Rimbaud fossem se chocar contra a glória, que é mulher. Uma vez mais a moral inclina-se diante do génio, pois o génio não é senão o fenómeno que consiste em santificar os erros escritos, pintados ou vividos.
É verdade que uma celebridade tão grande quanto a de Rimbaud não se faz sem controvérsias. As inumeráveis vítimas do séquito se empenham em perpetuar um certo comportamento, uma certa insolência rimbaldianos, sem imaginar que, se este aspecto foi considerável, foi por causa de um emprego novo da sintaxe que diviniza aos meus olhos "Bonne pensée du matin" e faz "Ma bohème", "La rivière de Cassis", "Bruxelles", "Mémoire" ocuparem um lugar em meu panteão íntimo com a neve que escorrega pela manga de seda preta do príncipe Gengi.
São nesses poemas que Rimbaud conserva a invisibilidade da elegância.
Eu sempre disse que uma criatura de algum planeta mais evoluído que o nosso poderia talvez zombar de Einstein, mas não poderia zombar nem de Van Gogh nem de Cézanne.
Nesse campo de uma força que escapa à análise e aos progressos da ciência, Arthur Rimbaud representa um terrível explosivo. Um raio de Abril, uma arma, um heroísmo que se opõem à ideia toda feita do heroísmo e das armas.
É isso que me autoriza a terminar estas linhas copiando, à intenção da paz no mundo e de Rimbaud, um desejo que eu formulava em 1915 no Discours du Grand Sommeil:
Laurier inhumain que la foudreD'avril te tue.
P.S. — Se não falo de Marselha em 1891 é porque esse período me é intolerável. Faz-me sofrer muito.
Sempre afirmei que não é verdadeiramente poeta quem não erra. Aqui a regra ultrapassa os limites. Mas é preciso ver na amputação uma prova do combate com o anjo e do amor feroz das Musas, semelhante ao do louva-a-deus que devora o macho.
"Eles detestam a beleza quando ela é feia. Eles adoram a feiura quando ela é bela. Nisto está todo o drama!"
É da fabulosa herança de alguns artistas, mortos na miséria, que todos nós vivemos. Quis o destino que um jovem poeta desconhecido contradissesse os filhos-de-pai que somos e descobrisse o segredo de um novo mártir.
~ Jean Cocteau ~

"Não vos posso dar uma morada, porque ignoro onde estarei pessoalmente nos próximos tempos, porque caminhos andarei, e por onde, e por quê, e como!" (Rimbaud aos seus, Aden, 5 de Maio de 1884)Jean Nicholas Arthur Rimbaud, poeta francês nasceu em Charleville, nas Ardennes, em 20 de outubro de 1854. Aluno brilhante, que se distinguia na composição de versos latinos, foi encorajado nas suas primeiras experiências poéticas pelo seu professor de retórica. A sua personalidade rebelde não o deixaria suportar bem as condicionantes da vida familiar e provinciana: depois de várias fugas, este menino – prodígio, reconhecido pelo seu "Bateau ivre", "desembarca" em 1871 em Paris a convite de Verlaine. Esta ligação tumultuosa entre os dois poetas acabaria em drama: ferido pelo seu amante, que Rimbaud queria abandonar, ele experimenta a dor de um sonho perdido do qual "Une saison en enfer" (1873) é um sofrido testemunho.Rimbaud tornar-se-ia um vagabundo solitário, escrevendo diversos poemas em prosa ("Illuminations, 1874-1876), e acabando por partir em 1880 para Aden. Rimbaud descreveria Aden na carta enviada para sua irmã Isabelle, quando ela demonstrou sua intenção de vistá-lo: "Nem pense nisso: vocês nem podem imaginar que lugar é esse. Não existe nem uma árvore, nem mesmo seca, nenhum ramo de planta, nenhuma água doce. Bebemos apenas água destilada do mar. Aden é uma cratera de vulcão, cercada por muralhas que impedem a circulação do ar. Ardemos no fundo deste buraco como num forno de cal!"Durante dez anos, o poeta erra pelo deserto, da Etiópia ao Egipto, tendo cessado completamente de escrever e abandonando-se a todo o tipo de comércios.
Repatriado para França para tratar o tumor no joelho de que padecia, amputar-lhe-iam uma perna em Marselha, onde morreria pouco depois, em 10 de novembro de 1891.Um mau-aspecto "absolutamente moderno", o de Arthur. Casaco e calças de ganga coçada, um saco descuidadamente pendurado ao ombro, a pose um pouco para o desleixado, com a marca de uma fadiga que impôs a estrada e da eterna insolência da juventude. O Rimbaud das serigrafias de Ernest Pignon-Ernest coladas nas paredes das cidades, ou esse Rimbaud, meio-mendigo, meio-beatnik, cujo rosto é o do retrato de Carjat. O Rimbaud com esse ar ausente dos solitários e dos místicos, o Rimbaud inesquecível porque parte da nossa forma de olhar o mundo. Ícone enganador, talvez, mas seguramente "ilusão que nos fala sempre da verdade" (Cocteau). O poeta mais fulgurante dos tempos modernos, aquele cuja obra, para sempre jovem, decidiu tantas vocações, não foi um homem de letras e passou pela poesia como por outras experiências só para cumprir um secreto desejo que nunca explicou. "Notável passante", tal como lhe chamou Mallarmé, Rimbaud abriu o caminho à poesia nos actos, à vida concebida como uma obra de arte. Não à maneira do dandy, mas como engajamento pessoal na dura realidade, procura da vertigem, exploração de um alhures que não se pode encontrar e que por isso mesmo se torna magnético, eterno, subversivo. Tzara, saudou uma vez essa forma de fazer sair a poesia do livro – arte, conforme ao projecto dadaísta, de uma deslocação dos valores e dos sistemas culturais – e que Artaud resumiu desta maneira: "Rimbaud liberta a poesia do texto, da escrita, e devolve-nos uma ideia mágica da vida."
A partir de Rimbaud, essa "ideia" passa a unir-se à errância, à viagem através do mundo que induz uma nova tipologia do viajante, e que, segundo as épocas, definiu novos espaços de trajecto e imaginação, de uma África idealizada à Califórnia, do México aos caminhos de Katmandu. Todos os andarilhos do mundo seguem as pisadas de Rimbaud. Rambling boys americanos tais como Woody Guthrie ou Bob Dylan, escritores-viajeiros como Segalen, Cendrars, Eberhardt, hippies a caminho de Frisco ou de Ladakh, sem falar, claro, dessa beat generation que reivindicava, claramente, o lado ambulatório da herança rimbaudiana. Para além, evidentemente, da da multidão anónima de globetrotters e viajantes à boleia que tem vindo a redesenhar o mapa da viagem moderna. Na mochila do baba-cool perfeito, entre a harmónica e a erva, encontram-se as Illuminations. Rimbaud, é a reabilitação do caminheiro, a invenção do vagabundo celeste, o primeiro dos desertores porque é aquele que está sempre de partida.Uma tal viagem procede porém de uma busca que resulta mais de uma moral do que de uma estética (diferente por isso da viagem aristocrático-romântica em vagões-cama e transatlânticos). Porém, a viagem rimbaudiana (fugas, explorações, tráfegos) é sobretudo portadora de uma contestação radical dos valores estabelecidos: pulveriza o sedentarismo ocidental, o enraizamento na terra, a família, o trabalho, a pátria. Partir é em primeiro lugar recusar.
Esta maneira aventureira e individualista de apreender o mundo assemelha-se a uma maldição, na linha da velha crença que associa os errantes aos pecadores. A vida de Arthur Rimbaud aparece desde logo como uma punição divina, um estágio no inferno. Ela precisa a figura do poeta maldito, essa invenção do século XIX que fez sair a literatura do seu estatuto de prática elegante. Com Rimbaud afirma-se uma espécie de nobreza do negativo, identificando o génio, na sua autenticidade, com a marginalidade, a decadência e o mal: porta sublime para a beleza, o amor, uma verdade superior mas também Redenção. Este lado maldito, que faz "da infâmia uma glória, da crueldade um encanto", lança um novo sistema de valores, fundado na subversão (cultural, social, política), numa vivência boémia que é a antítese da "boa sociedade". A coisa não é nova, mas Rimbaud acelera a desregulamentação. Conhece-se a receita: álcool, drogas, sexo sem freios, proximidade do perigo, tudo pontos cardeais do herói moderno.Marx pretendeu mudar o mundo. Rimbaud preferiu "mudar a vida". Uma parte da história do Maio de 68 é incompreensível sem considerar esta oposição. O militante contra o libertário, o estratega contra o sonhador. Os filhos de Rimbaud no Quartier Latin eram, pois, "Marx tendência Groucho" ("La vie est Ia farce à mener par tous"). E o rock and roll também. Pela energia que invoca, pela sua rapidez e espírito rebelde, o rock é eminentemente rimbaudiana: juventude, beleza, errância, revolta, menosprezo do perigo, comportamentos suicidários. Viver depressa e morrer jovem. Nico, Tis Redding, Brian Jones, Jimi Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin, John Lennon, Sid Vicious, Keith Moon, Kurt Cobain, Buddy Holly, Syd Barrett, Jeff Buckley, mas também James Dean, Pasolini, Che Guevara, Fassbinder, Jim Morrison, todos filhos de Rimbaud. Todos cultivaram a imagem das "duas únicas coisas que não podem ser ridículas: um selvagem e uma criança" (Gauguin). Rimbaud será então isso: a ideia de uma pureza fundada na insolência da juventude e da revolta do primitivo. O seu aspecto desalinhado inventa muito antes do nosso tempo o culto actual do adolescente: rebelde, "mau rapaz", eternamente instável.
Depoimentos
André Gide
Rimbaud era para mim como um poeta demoníaco, um "poeta maldito" entre todos e gostava de o ser, com a ajuda do álcool, o "famoso gole de veneno" que ele nos convida a beber e que eu degustava com prazer, mais embriagante que qualquer outro vinho, que não podia convir senão aos fortes, eu pensava.
A que estranha danação ele não arrastaria todos os outros?
Rimbaud, com seu individualismo exacerbado, sua insubmissão. O selvagem Rimbaud. Ele assusta... mesmo preso!
... Há o que ele quis dizer, o que pensamos que ele quis dizer; mas o que ele disse sem o querer e contra si mesmo.
Rimbaud continua um mestre admirável na arte de escrever, um inventor de formas cuja originalidade não foi esgotada por nenhum de seus inúmeros imitadores.
Paul Valéry
Trechos de cartas a André Gide:
Estou embriagado com a beleza das coisas do mar e esforço-me para compreender a sua alma aventurosa e triunfal... Releia o admirável "Bateau ivre" para compreender. Essa poesia é admirável, verdadeira e um pouco louca como a bússola.
Você leu os textos em prosa de Rimbaud no fim da edição das Poesias? Esses inéditos são milagrosos (sejamos exactos). São iluminações das melhores e mais admiráveis. Queria passar duas horas com você e com elas. Você me daria a força para imaginá-las e para falar delas e, como antigamente, nelas nos embebedaríamos, você lembra, quando cada um de nós leu sozinho pela segunda vez, "Le bateau ivre". (Fevereiro de 1943.)
Georges Duhamel
Rimbaud sempre mexeu comigo, sempre me proporcionou a mesma embriaguez amarga.
O que Mallarmé não parece ter adivinhado é que o "Viajante notável" voltaria, que ia ficar, que não pararia de crescer, que sua influência se estenderia sobre todas as gerações e que aquele garoto seria no século novo não o mestre, e sim, melhor ainda, o mensageiro, o profeta de toda uma juventude febril, entusiasta, rebelde.
As páginas mais obscuras de Rimbaud, as finais, têm soberana virtude de encantamento. Exerceu sobre nossa alma seus sedutores prestígios, sua irritante magia.
Há textos obscuros de Rimbaud que nos pegam porque continuamos livres para neles encontrar o que trazemos de nós mesmos. Eles se parecem com a música pura.
A alquimia mallarmaica sempre me interessa, não me comove quase nunca. Rimbaud me comove sempre. Algumas vezes me desnorteia, outra, dilacera-me e me desespera.
O que importa é o "Fenómeno Rimbaud". O que forma para mim o objecto de muitas reflexões é "a aventura-Rimbaud", é a história daquele menino que nasceu numa família que chamamos classe média, fez seus estudos sérios sem chegar mesmo a se formar, como se tivesse compreendido que os estudos, sejam quais forem, não têm fim, e que se lança subitamente sobre a poesia como sobre uma presa, devorando-a e expelindo-a para ir concluir uma existência desesperadora, de onde todo pensamento de criação literária parece excluído, em climas terríveis, às voltas com ocupações absurdas. O que me interessa e deve interessar a todos é ver o "viajante notável" exercer-se durante alguns meses na prática de uma arte que conseguiu manter despertos ao longo de toda uma existência inúmeros espíritos, é vê-lo elaborar obras-primas surpreendentes e depois abandonar tudo isso com um dar de ombros. O que me perturba e a tantos observadores é, chegado o tempo das necessárias germinações, ver a sombra de Rimbaud voltar entre nós, ver sua obra que cabe inteira num volume, inquietar, atormentar, inspirar uma juventude ardente e, desde então, colocar inúmeros problemas aos estudiosos da literatura crítica e histórica...
Jacques Maritain
Ele procurou na Arte as palavras da vida eterna.
André Maurois
Une Saison en Enfer: o mais belo poema da língua francesa.

Henry Miller
Creio que há muitos Rimbaud neste mundo, e que seu número crescerá sempre. Creio que, no futuro, o tipo Rimbaud substituirá o tipo Hamlet e o tipo Fausto.
Rimbaud é uma curiosa mistura de audácia e timidez. Ele tem a coragem de se aventurar lá onde nenhum branco jamais pôs os pés, mas ele não é capaz de enfrentar a vida com pouco dinheiro. Não tem medo dos canibais, e sim dos brancos, de seus semelhantes.
Une Saison en Enfer: este livro é a última palavra do desespero, da revolta, da maldição.
Ele combateu até o extremo limite de suas forças. E é por isso que seu nome, como o de Lúcifer, continuará glorioso.
Nele havia luz, uma maravilhosa luz, mas ela não devia se espalhar antes que ele morresse.
Jean-Marie Carré
Rimbaud reuniu em um grau sobre-humano toda a grandeza e toda a miséria humanas de um poeta de génio devorador, mas com a instabilidade fatal que se consumiu em sua chama implacável.
Nenhum poeta exerceu tais sortilégios. Os outros poetas envelheceram, Rimbaud continua inesgotável.

Poemas de Rimbaud

~ MA BOHÈME (Fantasie) ~
E lá me ia, as mãos nos bolsos furados, E meu casaco era também o ideal. Eu ia sob o céu, Musa! E te era leal; Oh! Lá! Lá! Que esplêndidos amores sonhados!
Minha única calça estava em frangalhos— Pequeno Polegar sonhador, em minha fuga eu ia Desfiando rimas e sob a Ursa Maior adormecia, Ouvindo no céu o doce rumor das estrelas.
Sentado à beira das estradas eu as ouvia, Belas noites de Setembro em que eu sentia O orvalho em meu rosto como um vinho forte;
Quando compondo em meio a sombras fantásticas, Como uma lira eu puxava os elásticos De meus sapatos gastos, um pé junto ao meu peito!

~ NO CABARÉ-VERDE ~às cinco horas da tarde
Oito dias a pé, as botas rasgadas Nas pedras do caminho: em Charleroi arrio.— No Cabaré-Verde: pedi umas torradas Na manteiga e presunto, embora meio frio. Reconfortado, estendo as pernas sob a mesa Verde e me ponho a olhar os ingénuos motivos De uma tapeçaria. — E, adorável surpresa, Quando a moça de peito enorme e de olhos vivos— Essa, não há-de ser um beijo que a amedronte!— Sorridente me trás as torradas e um monte De presunto bem morno, em prato colorido; Um presunto rosado e branco, a que perfuma Um dente de alho, e um cerveja enorme, cuja espuma Um raio vem dourar do sol amortecido.
Outubro de 1870

~ SOBRE O POEMA “SENSATION” ~
Este poema de grande sensibilidade não tinha título quando foi enviado a Théodore de Banville. A versão definitiva traz o título “Sensation”.
Nas belas tardes de verão, pelas estradas irei, Roçando os trigais, pisando a relva miúda: Sonhador, a meus pés seu frescor sentirei: E o vento banhando-me a cabeça desnuda. Nada falarei, não pensarei em nada: Mas um amor imenso me irá envolver, E irei longe, bem longe, a alma despreocupada, Pela Natureza — feliz como com uma mulher.
(1870)
~ A PROPÓSITO DE “O NAVIO FANTASMA” ~(LE BATEAU IVRE)
Enquanto esperava uma carta de Verlaine, Rimbaud resolveu escrever um grande poema que seria a ilustração directa de sua nova ética, uma obra indiscutivelmente de fôlego. Delahaye o viu, deitado num barco, ao pé do Velho Moinho, o rosto contra a água, interrogando o fundo do rio, onde, entre as manchas de sol, a corrente fazia ondular a longa cabeleira das plantas aquáticas. Ele havia apenas conservado a ideia do tema de O Navio Fantasma — que Leon Dierx acabava de tratar há pouco no Parnasse Contemporain —, ou, mais exactamente, ele o incorporara, pois o barco sem rumo pelo espaço sideral, sob o céu implacável ou nas profundezas glaucas, é ele, sua alma, liberada enfim de suas amarras.
E desde então no Poema do Mar mergulhei, Cheio de astros, lactescentes, devorandoOs verdes céus, onde às vezes se vê, Lívido e feliz, um sonhador boiando.
Onde tingindo de repente o infinito, delírios E ritmos lentos sob o dia em esplendor Mais fortes que o álcool, mais vastos que nossas liras, Fermentam as sardas amargas do amor!
Sei dos céus rasgando-se em raios, e das trombas, Das ressacas e da noite e das correntes, Da Alba exaltada igual a um bando de pombas, E o que o homem acreditou ver viram meus olhos videntes!
É impossível ouvir essa delirante sinfonia sem ser tomado de vertigem, arrastado para fora da órbita terrestre, para o absoluto, para fora do mundo. Ninguém havia feito coisa igual; ninguém o fará jamais. No fim, o Poeta, não conseguindo manter a intensidade da visão, consumido em seu próprio frenesi, explode literalmente em pleno céu:
Oh, que minha quilha estoure! Que eu ganhe o mar!
Tudo, então, está terminado: falta-lhe a coragem de continuar a viagem, as forças o abandonam, ele se deixa levar, não passa do casco negro do barco destruído.
E se anseio mares de Europa, é a poça Escura e fria onde ao crepúsculo perfumado Uma criança se abaixa triste e solta Qual borboleta de Maio um barco delicado.
Com uma clareza profética, Rimbaud, podemos dizer, previu seu próprio destino...


verlaine e Rinbaud em Londres

FONTE : Google


terça-feira, 1 de setembro de 2009

Melancolia

Melancholy, Edvard Munch
A melancolia é um sentimento suavemente triste. Existe em nós como uma leve cortina que encobre as cores garridas da realidade. Os dias decorrem quase tranquilos, se não fosse essa melancolia que nos mantém estáveis na escala das emoções. Um melancólico pode estar contente mas raramente hilariante; pode estar aborrecido mas raramente em cólera. A melancolia está presente nos fins de tarde. Não há nada como um pôr-do-sol suave para espelhar o coração dum melancólico. Também se sente apaziguado com os tons quentes das folhas de Outono, caídas no chão. A melancolia é a porta de entrada ou de saída da tristeza. Pode ser o prenúncio de uma depressão nascente ou o sentimento final de uma perda. A melancolia é tristemente suave se não se instalar definitivamente, porque se persistir, impedir-nos-á de viver intensamente a vida, o mundo e as pessoas que nos rodeiam. Existem momentos na vida em que nos sentimos perdidos, como se algo tivesse sido arrancado de nossas vidas. Às vezes somos acometidos de uma tristeza sem fim, como se estivesse pra morrer. Choramos, desesperados pela dor, que rasga o peito e pelas lágrimas que nos sufocam. E nem mesmo sabemos o motivo real desta dor...Porque? Quando? Aonde? Não existe resposta, as coisas apenas se foram modificando, o que era bom ontem, hoje já não e mais. A melancolia toma conta da nossa alma.