segunda-feira, 7 de setembro de 2009

" Um místico em estado selvagem"

O que Mallarmé não parece ter adivinhado é que o "Viajante notável" voltaria, que ia ficar, que não pararia de crescer, que sua influência se estenderia sobre todas as gerações e que aquele garoto seria no século novo não o mestre, e sim, melhor ainda, o mensageiro, o profeta de toda uma juventude febril, entusiasta, rebelde.
~ Georges Duhamel ~

É uma honra para o nosso país que uma obra fechada como a de Arthur Rimbaud domine com a mesma intensidade que a obra semifechada de um Charles Baudelaire ou a obra tão clara de um Victor Hugo. Como os pintores que se destacam não pelo modelo que escolhem mas pela maneira como o pintam, o milagre de Arthur Rimbaud depende menos de suas revoltas e do que dele disse Claudel, "Um místico em estado selvagem", que do facto de ele ter feito a ideia nascer do verbo, enquanto antes dele o verbo se colocava a serviço da ideia.
Apollinaire falava sempre do poema-acontecimento, do verso-acontecimento. Acontece, por exemplo, que um poema um pouco convencional de Baudelaire pode se erguer do chão e levitar pela força de um único alexandrino.
Em Guillaume Apollinaire, uma gota de tinta que treme na extremidade de sua pena cai marchetando uma página que, sem essa mancha requintada, estaria ameaçada pela monotonia.
É isto que torna os poetas intraduzíveis. Não compreendemos nada de Puchkin, a não ser a certeza secreta de um ritmo de feitiçaria que ele tirava de uma gota de sangue negro.
Mas o rimbaldismo é universal. Sua fosforescência atravessa a barreira das línguas.
Poderíamos temer que as tempestades do casal Verlaine/Rimbaud fossem se chocar contra a glória, que é mulher. Uma vez mais a moral inclina-se diante do génio, pois o génio não é senão o fenómeno que consiste em santificar os erros escritos, pintados ou vividos.
É verdade que uma celebridade tão grande quanto a de Rimbaud não se faz sem controvérsias. As inumeráveis vítimas do séquito se empenham em perpetuar um certo comportamento, uma certa insolência rimbaldianos, sem imaginar que, se este aspecto foi considerável, foi por causa de um emprego novo da sintaxe que diviniza aos meus olhos "Bonne pensée du matin" e faz "Ma bohème", "La rivière de Cassis", "Bruxelles", "Mémoire" ocuparem um lugar em meu panteão íntimo com a neve que escorrega pela manga de seda preta do príncipe Gengi.
São nesses poemas que Rimbaud conserva a invisibilidade da elegância.
Eu sempre disse que uma criatura de algum planeta mais evoluído que o nosso poderia talvez zombar de Einstein, mas não poderia zombar nem de Van Gogh nem de Cézanne.
Nesse campo de uma força que escapa à análise e aos progressos da ciência, Arthur Rimbaud representa um terrível explosivo. Um raio de Abril, uma arma, um heroísmo que se opõem à ideia toda feita do heroísmo e das armas.
É isso que me autoriza a terminar estas linhas copiando, à intenção da paz no mundo e de Rimbaud, um desejo que eu formulava em 1915 no Discours du Grand Sommeil:
Laurier inhumain que la foudreD'avril te tue.
P.S. — Se não falo de Marselha em 1891 é porque esse período me é intolerável. Faz-me sofrer muito.
Sempre afirmei que não é verdadeiramente poeta quem não erra. Aqui a regra ultrapassa os limites. Mas é preciso ver na amputação uma prova do combate com o anjo e do amor feroz das Musas, semelhante ao do louva-a-deus que devora o macho.
"Eles detestam a beleza quando ela é feia. Eles adoram a feiura quando ela é bela. Nisto está todo o drama!"
É da fabulosa herança de alguns artistas, mortos na miséria, que todos nós vivemos. Quis o destino que um jovem poeta desconhecido contradissesse os filhos-de-pai que somos e descobrisse o segredo de um novo mártir.
~ Jean Cocteau ~

"Não vos posso dar uma morada, porque ignoro onde estarei pessoalmente nos próximos tempos, porque caminhos andarei, e por onde, e por quê, e como!" (Rimbaud aos seus, Aden, 5 de Maio de 1884)Jean Nicholas Arthur Rimbaud, poeta francês nasceu em Charleville, nas Ardennes, em 20 de outubro de 1854. Aluno brilhante, que se distinguia na composição de versos latinos, foi encorajado nas suas primeiras experiências poéticas pelo seu professor de retórica. A sua personalidade rebelde não o deixaria suportar bem as condicionantes da vida familiar e provinciana: depois de várias fugas, este menino – prodígio, reconhecido pelo seu "Bateau ivre", "desembarca" em 1871 em Paris a convite de Verlaine. Esta ligação tumultuosa entre os dois poetas acabaria em drama: ferido pelo seu amante, que Rimbaud queria abandonar, ele experimenta a dor de um sonho perdido do qual "Une saison en enfer" (1873) é um sofrido testemunho.Rimbaud tornar-se-ia um vagabundo solitário, escrevendo diversos poemas em prosa ("Illuminations, 1874-1876), e acabando por partir em 1880 para Aden. Rimbaud descreveria Aden na carta enviada para sua irmã Isabelle, quando ela demonstrou sua intenção de vistá-lo: "Nem pense nisso: vocês nem podem imaginar que lugar é esse. Não existe nem uma árvore, nem mesmo seca, nenhum ramo de planta, nenhuma água doce. Bebemos apenas água destilada do mar. Aden é uma cratera de vulcão, cercada por muralhas que impedem a circulação do ar. Ardemos no fundo deste buraco como num forno de cal!"Durante dez anos, o poeta erra pelo deserto, da Etiópia ao Egipto, tendo cessado completamente de escrever e abandonando-se a todo o tipo de comércios.
Repatriado para França para tratar o tumor no joelho de que padecia, amputar-lhe-iam uma perna em Marselha, onde morreria pouco depois, em 10 de novembro de 1891.Um mau-aspecto "absolutamente moderno", o de Arthur. Casaco e calças de ganga coçada, um saco descuidadamente pendurado ao ombro, a pose um pouco para o desleixado, com a marca de uma fadiga que impôs a estrada e da eterna insolência da juventude. O Rimbaud das serigrafias de Ernest Pignon-Ernest coladas nas paredes das cidades, ou esse Rimbaud, meio-mendigo, meio-beatnik, cujo rosto é o do retrato de Carjat. O Rimbaud com esse ar ausente dos solitários e dos místicos, o Rimbaud inesquecível porque parte da nossa forma de olhar o mundo. Ícone enganador, talvez, mas seguramente "ilusão que nos fala sempre da verdade" (Cocteau). O poeta mais fulgurante dos tempos modernos, aquele cuja obra, para sempre jovem, decidiu tantas vocações, não foi um homem de letras e passou pela poesia como por outras experiências só para cumprir um secreto desejo que nunca explicou. "Notável passante", tal como lhe chamou Mallarmé, Rimbaud abriu o caminho à poesia nos actos, à vida concebida como uma obra de arte. Não à maneira do dandy, mas como engajamento pessoal na dura realidade, procura da vertigem, exploração de um alhures que não se pode encontrar e que por isso mesmo se torna magnético, eterno, subversivo. Tzara, saudou uma vez essa forma de fazer sair a poesia do livro – arte, conforme ao projecto dadaísta, de uma deslocação dos valores e dos sistemas culturais – e que Artaud resumiu desta maneira: "Rimbaud liberta a poesia do texto, da escrita, e devolve-nos uma ideia mágica da vida."
A partir de Rimbaud, essa "ideia" passa a unir-se à errância, à viagem através do mundo que induz uma nova tipologia do viajante, e que, segundo as épocas, definiu novos espaços de trajecto e imaginação, de uma África idealizada à Califórnia, do México aos caminhos de Katmandu. Todos os andarilhos do mundo seguem as pisadas de Rimbaud. Rambling boys americanos tais como Woody Guthrie ou Bob Dylan, escritores-viajeiros como Segalen, Cendrars, Eberhardt, hippies a caminho de Frisco ou de Ladakh, sem falar, claro, dessa beat generation que reivindicava, claramente, o lado ambulatório da herança rimbaudiana. Para além, evidentemente, da da multidão anónima de globetrotters e viajantes à boleia que tem vindo a redesenhar o mapa da viagem moderna. Na mochila do baba-cool perfeito, entre a harmónica e a erva, encontram-se as Illuminations. Rimbaud, é a reabilitação do caminheiro, a invenção do vagabundo celeste, o primeiro dos desertores porque é aquele que está sempre de partida.Uma tal viagem procede porém de uma busca que resulta mais de uma moral do que de uma estética (diferente por isso da viagem aristocrático-romântica em vagões-cama e transatlânticos). Porém, a viagem rimbaudiana (fugas, explorações, tráfegos) é sobretudo portadora de uma contestação radical dos valores estabelecidos: pulveriza o sedentarismo ocidental, o enraizamento na terra, a família, o trabalho, a pátria. Partir é em primeiro lugar recusar.
Esta maneira aventureira e individualista de apreender o mundo assemelha-se a uma maldição, na linha da velha crença que associa os errantes aos pecadores. A vida de Arthur Rimbaud aparece desde logo como uma punição divina, um estágio no inferno. Ela precisa a figura do poeta maldito, essa invenção do século XIX que fez sair a literatura do seu estatuto de prática elegante. Com Rimbaud afirma-se uma espécie de nobreza do negativo, identificando o génio, na sua autenticidade, com a marginalidade, a decadência e o mal: porta sublime para a beleza, o amor, uma verdade superior mas também Redenção. Este lado maldito, que faz "da infâmia uma glória, da crueldade um encanto", lança um novo sistema de valores, fundado na subversão (cultural, social, política), numa vivência boémia que é a antítese da "boa sociedade". A coisa não é nova, mas Rimbaud acelera a desregulamentação. Conhece-se a receita: álcool, drogas, sexo sem freios, proximidade do perigo, tudo pontos cardeais do herói moderno.Marx pretendeu mudar o mundo. Rimbaud preferiu "mudar a vida". Uma parte da história do Maio de 68 é incompreensível sem considerar esta oposição. O militante contra o libertário, o estratega contra o sonhador. Os filhos de Rimbaud no Quartier Latin eram, pois, "Marx tendência Groucho" ("La vie est Ia farce à mener par tous"). E o rock and roll também. Pela energia que invoca, pela sua rapidez e espírito rebelde, o rock é eminentemente rimbaudiana: juventude, beleza, errância, revolta, menosprezo do perigo, comportamentos suicidários. Viver depressa e morrer jovem. Nico, Tis Redding, Brian Jones, Jimi Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin, John Lennon, Sid Vicious, Keith Moon, Kurt Cobain, Buddy Holly, Syd Barrett, Jeff Buckley, mas também James Dean, Pasolini, Che Guevara, Fassbinder, Jim Morrison, todos filhos de Rimbaud. Todos cultivaram a imagem das "duas únicas coisas que não podem ser ridículas: um selvagem e uma criança" (Gauguin). Rimbaud será então isso: a ideia de uma pureza fundada na insolência da juventude e da revolta do primitivo. O seu aspecto desalinhado inventa muito antes do nosso tempo o culto actual do adolescente: rebelde, "mau rapaz", eternamente instável.
Depoimentos
André Gide
Rimbaud era para mim como um poeta demoníaco, um "poeta maldito" entre todos e gostava de o ser, com a ajuda do álcool, o "famoso gole de veneno" que ele nos convida a beber e que eu degustava com prazer, mais embriagante que qualquer outro vinho, que não podia convir senão aos fortes, eu pensava.
A que estranha danação ele não arrastaria todos os outros?
Rimbaud, com seu individualismo exacerbado, sua insubmissão. O selvagem Rimbaud. Ele assusta... mesmo preso!
... Há o que ele quis dizer, o que pensamos que ele quis dizer; mas o que ele disse sem o querer e contra si mesmo.
Rimbaud continua um mestre admirável na arte de escrever, um inventor de formas cuja originalidade não foi esgotada por nenhum de seus inúmeros imitadores.
Paul Valéry
Trechos de cartas a André Gide:
Estou embriagado com a beleza das coisas do mar e esforço-me para compreender a sua alma aventurosa e triunfal... Releia o admirável "Bateau ivre" para compreender. Essa poesia é admirável, verdadeira e um pouco louca como a bússola.
Você leu os textos em prosa de Rimbaud no fim da edição das Poesias? Esses inéditos são milagrosos (sejamos exactos). São iluminações das melhores e mais admiráveis. Queria passar duas horas com você e com elas. Você me daria a força para imaginá-las e para falar delas e, como antigamente, nelas nos embebedaríamos, você lembra, quando cada um de nós leu sozinho pela segunda vez, "Le bateau ivre". (Fevereiro de 1943.)
Georges Duhamel
Rimbaud sempre mexeu comigo, sempre me proporcionou a mesma embriaguez amarga.
O que Mallarmé não parece ter adivinhado é que o "Viajante notável" voltaria, que ia ficar, que não pararia de crescer, que sua influência se estenderia sobre todas as gerações e que aquele garoto seria no século novo não o mestre, e sim, melhor ainda, o mensageiro, o profeta de toda uma juventude febril, entusiasta, rebelde.
As páginas mais obscuras de Rimbaud, as finais, têm soberana virtude de encantamento. Exerceu sobre nossa alma seus sedutores prestígios, sua irritante magia.
Há textos obscuros de Rimbaud que nos pegam porque continuamos livres para neles encontrar o que trazemos de nós mesmos. Eles se parecem com a música pura.
A alquimia mallarmaica sempre me interessa, não me comove quase nunca. Rimbaud me comove sempre. Algumas vezes me desnorteia, outra, dilacera-me e me desespera.
O que importa é o "Fenómeno Rimbaud". O que forma para mim o objecto de muitas reflexões é "a aventura-Rimbaud", é a história daquele menino que nasceu numa família que chamamos classe média, fez seus estudos sérios sem chegar mesmo a se formar, como se tivesse compreendido que os estudos, sejam quais forem, não têm fim, e que se lança subitamente sobre a poesia como sobre uma presa, devorando-a e expelindo-a para ir concluir uma existência desesperadora, de onde todo pensamento de criação literária parece excluído, em climas terríveis, às voltas com ocupações absurdas. O que me interessa e deve interessar a todos é ver o "viajante notável" exercer-se durante alguns meses na prática de uma arte que conseguiu manter despertos ao longo de toda uma existência inúmeros espíritos, é vê-lo elaborar obras-primas surpreendentes e depois abandonar tudo isso com um dar de ombros. O que me perturba e a tantos observadores é, chegado o tempo das necessárias germinações, ver a sombra de Rimbaud voltar entre nós, ver sua obra que cabe inteira num volume, inquietar, atormentar, inspirar uma juventude ardente e, desde então, colocar inúmeros problemas aos estudiosos da literatura crítica e histórica...
Jacques Maritain
Ele procurou na Arte as palavras da vida eterna.
André Maurois
Une Saison en Enfer: o mais belo poema da língua francesa.

Henry Miller
Creio que há muitos Rimbaud neste mundo, e que seu número crescerá sempre. Creio que, no futuro, o tipo Rimbaud substituirá o tipo Hamlet e o tipo Fausto.
Rimbaud é uma curiosa mistura de audácia e timidez. Ele tem a coragem de se aventurar lá onde nenhum branco jamais pôs os pés, mas ele não é capaz de enfrentar a vida com pouco dinheiro. Não tem medo dos canibais, e sim dos brancos, de seus semelhantes.
Une Saison en Enfer: este livro é a última palavra do desespero, da revolta, da maldição.
Ele combateu até o extremo limite de suas forças. E é por isso que seu nome, como o de Lúcifer, continuará glorioso.
Nele havia luz, uma maravilhosa luz, mas ela não devia se espalhar antes que ele morresse.
Jean-Marie Carré
Rimbaud reuniu em um grau sobre-humano toda a grandeza e toda a miséria humanas de um poeta de génio devorador, mas com a instabilidade fatal que se consumiu em sua chama implacável.
Nenhum poeta exerceu tais sortilégios. Os outros poetas envelheceram, Rimbaud continua inesgotável.

Poemas de Rimbaud

~ MA BOHÈME (Fantasie) ~
E lá me ia, as mãos nos bolsos furados, E meu casaco era também o ideal. Eu ia sob o céu, Musa! E te era leal; Oh! Lá! Lá! Que esplêndidos amores sonhados!
Minha única calça estava em frangalhos— Pequeno Polegar sonhador, em minha fuga eu ia Desfiando rimas e sob a Ursa Maior adormecia, Ouvindo no céu o doce rumor das estrelas.
Sentado à beira das estradas eu as ouvia, Belas noites de Setembro em que eu sentia O orvalho em meu rosto como um vinho forte;
Quando compondo em meio a sombras fantásticas, Como uma lira eu puxava os elásticos De meus sapatos gastos, um pé junto ao meu peito!

~ NO CABARÉ-VERDE ~às cinco horas da tarde
Oito dias a pé, as botas rasgadas Nas pedras do caminho: em Charleroi arrio.— No Cabaré-Verde: pedi umas torradas Na manteiga e presunto, embora meio frio. Reconfortado, estendo as pernas sob a mesa Verde e me ponho a olhar os ingénuos motivos De uma tapeçaria. — E, adorável surpresa, Quando a moça de peito enorme e de olhos vivos— Essa, não há-de ser um beijo que a amedronte!— Sorridente me trás as torradas e um monte De presunto bem morno, em prato colorido; Um presunto rosado e branco, a que perfuma Um dente de alho, e um cerveja enorme, cuja espuma Um raio vem dourar do sol amortecido.
Outubro de 1870

~ SOBRE O POEMA “SENSATION” ~
Este poema de grande sensibilidade não tinha título quando foi enviado a Théodore de Banville. A versão definitiva traz o título “Sensation”.
Nas belas tardes de verão, pelas estradas irei, Roçando os trigais, pisando a relva miúda: Sonhador, a meus pés seu frescor sentirei: E o vento banhando-me a cabeça desnuda. Nada falarei, não pensarei em nada: Mas um amor imenso me irá envolver, E irei longe, bem longe, a alma despreocupada, Pela Natureza — feliz como com uma mulher.
(1870)
~ A PROPÓSITO DE “O NAVIO FANTASMA” ~(LE BATEAU IVRE)
Enquanto esperava uma carta de Verlaine, Rimbaud resolveu escrever um grande poema que seria a ilustração directa de sua nova ética, uma obra indiscutivelmente de fôlego. Delahaye o viu, deitado num barco, ao pé do Velho Moinho, o rosto contra a água, interrogando o fundo do rio, onde, entre as manchas de sol, a corrente fazia ondular a longa cabeleira das plantas aquáticas. Ele havia apenas conservado a ideia do tema de O Navio Fantasma — que Leon Dierx acabava de tratar há pouco no Parnasse Contemporain —, ou, mais exactamente, ele o incorporara, pois o barco sem rumo pelo espaço sideral, sob o céu implacável ou nas profundezas glaucas, é ele, sua alma, liberada enfim de suas amarras.
E desde então no Poema do Mar mergulhei, Cheio de astros, lactescentes, devorandoOs verdes céus, onde às vezes se vê, Lívido e feliz, um sonhador boiando.
Onde tingindo de repente o infinito, delírios E ritmos lentos sob o dia em esplendor Mais fortes que o álcool, mais vastos que nossas liras, Fermentam as sardas amargas do amor!
Sei dos céus rasgando-se em raios, e das trombas, Das ressacas e da noite e das correntes, Da Alba exaltada igual a um bando de pombas, E o que o homem acreditou ver viram meus olhos videntes!
É impossível ouvir essa delirante sinfonia sem ser tomado de vertigem, arrastado para fora da órbita terrestre, para o absoluto, para fora do mundo. Ninguém havia feito coisa igual; ninguém o fará jamais. No fim, o Poeta, não conseguindo manter a intensidade da visão, consumido em seu próprio frenesi, explode literalmente em pleno céu:
Oh, que minha quilha estoure! Que eu ganhe o mar!
Tudo, então, está terminado: falta-lhe a coragem de continuar a viagem, as forças o abandonam, ele se deixa levar, não passa do casco negro do barco destruído.
E se anseio mares de Europa, é a poça Escura e fria onde ao crepúsculo perfumado Uma criança se abaixa triste e solta Qual borboleta de Maio um barco delicado.
Com uma clareza profética, Rimbaud, podemos dizer, previu seu próprio destino...


verlaine e Rinbaud em Londres

FONTE : Google


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